Anjos, Carnaval e Cinzas




No carnaval eu vi anjos caindo. Não sei se era parte da fantasia, mas eles usavam chifres luminosos e se cobriam de pecados flamejantes. Eu era aquele que ocupava a posição privilegiada para observar, mas não para julgar. No entanto, quem sou eu para negar as conclusões naturais que a mim chegam como o garçom que vem encher o meu copo?

Fazia tempo que não me satisfazia com a queda alheia, geralmente a minha própria me cansa o suficiente para não exigir de mais dos demais, mesmo os seres divinos. Estes nem sequer minhas orações atendem, porém, cambaleando pelas ruas brilhosas das águas de março, das latinhas de cerveja vazias e do glitter, pedem cigarro e fogo descaradamente a um fumante solitário que futuramente sentirá falta daquele companheiro consumível.

Bem-aventurados são não-fumantes que bebem e carregam consigo uma carteira de cigarro; esta atitude é a demonstração do nível do auto-conhecimento elevado de quem sabe que após umas beiçadis na birita você fica sujeito a uma vontade súbita de dar umas boas pitadas.


No carnaval eu vi anjos caídos pulando, não sei se era arrependimento ou se estavam levando ao pé da letra a expressão "pular carnaval", mas eles pulavam com tanta gana que pareciam tentar recuperar o voo.

De fato a altitude parecia uma obsessão, quando não a buscavam fisicamente, o faziam por meio do consumo de drogas cheirosas e bebidas fedidas. Depois, com sua urina benta, eles regavam as árvores, postes e até prédios tombados como patrimônio histórico numa aparente tentativa de fazer crescer milagrosamente e subir ao céu.

No carnaval do Rio eu vi anjos aterrizando confortavelmente. Um deles confessou-me que vieram zelar pelo amanhã dos foliões que festejam como se este não houvesse, porém, o movimento da música e dos corpos dos mortais transformou o voo de alguns em queda. O que sobrar deles será servido em cinzas aos tais mortais na quarta-feira.



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