Em Algum Lugar do Pretérito-Mais-que-Perfeito



Um turbilhão de coisas, uma quantidade exagerada de tralha… necessária? Não quero ter nada; não possuir; não ter que fazer para ter. Quero conhecer a finitude do relógio e ainda assim confiar no tempo. Abortar a missão, tirar as roupas e me jogar no mar; sentir o arrepio da água fazendo-me cócegas nos pés, mordendo-me as coxas e lambendo-me a bunda; fazer dos golfinhos, tubarões e raias, ouvintes do meu gemido, testemunhas da minha punheta e disseminadoras do meu gozo. A deserção tem me excitado demais para eu não querer gozar em tudo e com tudo. Tudo o que não tenho. Tudo o que não faço.
Mas aqui, nem mar tem, só as areias saudosas das águas de outrora. Um território todo coberto por lembranças secas e voláteis. Arrependimento é o que sou agora, no deserto, o viajante encapuçado que evita a cidade prometida. Saudade sou eu em alto mar, em algum lugar do pretérito mais-que-perfeito, navegando narrativas sórdidas e absurdas o suficiente para hoje sentir vontade de ser jovem outra vez, recuperar o tempo perdido, corrigir meus erros e todos os clichês que o velho ganha para compor seu drama derradeiro.
Quem carrega percepção ou alguma ciência por tanto tempo precisa de um tipo específico de coragem para conseguir deixar-se levar pela ilusão de uma miragem. A coragem de ser covarde. É disso que se trata ter consciência, enxergar, mas fazer de conta que nada viu, ignorar as consequências e entrar na fila da roda gigante antes de seguir viagem.
Sigo procurando meu lugar em não-lugares. Sigo colecionando exemplares de On The Road como se cada cópia trouxesse um novo mapa da vadiagem numa terra que não é minha, mas que pode vir a ser se um dia estiver sob meus pés. Porque eu acredito que nenhuma seja de fato, o verdadeiro “cara de lugar nenhum” da música dos Beatles. Nenhuma terra pertence a homem ou mulher alguma. Acredito que o primeiro erro da humanidade foi acomodar sua “nomadisse” numa terra bem farta e dizer “gosto daqui, isso tudo agora é meu, vou pôr um nome, eu decido se quem está fora desses limites merece entrar ou não e que tipo de pessoa ela vai ser vista a partir daqui”.

A Terra deve odiar a sensação de ser esquartejada em territórios. Por isso ela pede sangue na guerra, e lágrimas nos impostos.
Então eu sigo rumo aos não-lugares, num tipo de trilha noturna pelos sentidos, algo entre Willie Nelson cantando “On The Road Again” e “Tocando em Frente” na voz da Maria Bethania. Sigo procurando novas buscas. Abrindo mapas que me levem a outros mapas, beijando as bocas de Abril com os pés em Maio, compartilhando roupas usadas esperando que as pessoas levem os restos da minha pele morta para lugares-lugares que nunca estarei.

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